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“Vivemos como os javalis”

Ouvi esta manhã uma reportagem do jornalista Afonso de Sousa sobre a possibilidade do encerramento do Tribunal de Vinhais, conselho do distrito de Bragança, lá bem no Norte do país.

O que me despertou o interesse não foram as declarações do presidente da autarquia, Américo Pereira, a garantir que o fecho do tribunal local poderá levar a população a querer fazer justiça pelas próprias mãos.

Nem a caracterização do acontecimento como «convite à violência e à impunidade», nem a tão pertinente acusação de «desresponsabilização completa do Estado relativamente às suas obrigações» numa altura de «grande crise económica e dificuldades, onde o crime está a aumentar e estão a aparecer novas tipologias de crime, nomeadamente furtos em zonas rurais».

Foi a voz do Sr. Manuel Assunção, habitante da vila:

“Já nos tiraram o Centro de Saúde, já nos tiraram a EDP, agora querem tirar-nos o tribunal. O melhor é que fechem logo tudo!  Ponham umas cancelas numa entrada e na outra e ficamos isolados, vivemos como os javalis.”

É que, para variar, fala-se em números, financiamento, buracos no orçamento, défice, ruptura financeira.

Sabemos que em 2010 havia 145 autarquias em desequilíbrio financeiro estrutural ou conjuntural e 38 estavam em ruptura financeira. O sector empresarial local apresentava, no final de 2011, 2,4 mil milhões de défice. O Orçamento de Estado de 2012 apresenta um corte de 5% nas transferências das verbas do poder central para as autarquias nacionais. E sabemos que o Governo apresentou o Livro Branco do Sector Empresarial Local para reformar o poder local, o que, segundo a ANAFRE, significará que das 4.262 freguesias existentes, 2.458 não cumprirão os requisitos exigidos na Reforma e estarão condenadas à extinção. Miguel Relvas estimou em 675 milhões o esforço de contenção exigido aos autarcas.

Só que mesmo para quem não percebe nada de indicadores económicos, políticas de contenção e balanças de pagamentos, há uma consequência muito óbvia, e arrisco dizer, perigosa, que é tangível para qualquer pessoa que não esteja habituada aos “luxos” de viver numa grande cidade. Esta Reforma, que poderá (talvez, não sabemos bem, mas esperemos que sim) solucionar o problema dos números, deixa as populações com um acesso cada vez mais difícil aos serviços públicos.

O conselho de Vinhais fica a mais de 35 quilómetros de Bragança e tem a seu cargo 35 freguesias, com cerca de 10.650 habitantes espalhados por mais de 690 km2. Se experimentar pedir direcções ao Google Maps de qualquer ponto da autarquia para a cidade de Bragança, verá que só há uma hipótese: conduzir. Também pode tentar ir a pé, bicicleta ou trotineta. Autocarros e comboios não há. E no site da Câmara Municipal a sugestão disponível é uma lista de contactos telefónicos de taxistas locais.

O que se passa em Vinhais passa-se na maioria do território do interior português, cujo drama da desertificação, necessidade de revitalização e reorganização, e a milagrosa chave do desenvolvimento do turismo, têm sido alvo de debate e, supostamente, investimento, nos últimos 10 anos. Agora a torneira fechou. A seu tempo, o senhor Manuel vai viver isolado, sem Escolas, nem Centro de Saúde, nem Tribunal, nem posto dos Correios, nem Bombeiros Municipais, nem Centro Recreativo da Junta de Freguesia. Entre duas cancelas feitas de dívidas e burocracia. Enclausurado como javalis num curral.

Flickr.com/~MVI~

in Standard’s & People, Pá!, 15/11/2011

OPINIÃO

“Standard’s and People, Pá!”, a única agência de rating que não nos trata como lixo!

 
Em resumo, o melhor Blogue do mundo é candidato a Blog Revelação do Ano 2011.

Votem no “Standards and People, Pá!” para “Blogue Revelação (nascidos em 2011)”:
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O concurso é da responsabilidade do Blogue Aventar: http://aventar.eu/blogs-do-ano-2011/

Aproveitem para conhecer o blogue ou ler as últimas crónicas: http://standardsandpeople.wordpress.com/

Caso tudo corra bem as votações decorrerão entre 15 e 21 de Janeiro numa primeira fase e entre 23 e 28 de Janeiro numa segunda fase com os cinco mais votados de cada categoria. O nosso objectivo para já é o meio da tabela ou quem sabe um pouquinho acima. É preciso evitar a todo o custo um desprestigiante lugar de despromoção e nesse sentido prometemos cacicar com todas as nossas forças.

Ajudem a malta e votem em todos os computadores disponíveis. OBRIGADO!

Provavelmente, a campanha publicitária do ano

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A Fundação ‘Unhate’, criada pela marca italiana de vestuário United Colors of Benetton, lançou uma campanha publicitária de génio. Num momento em que o mundo está suspenso à espera que rebente o próximo conflito armado devido à crise política e financeira internacional, a agência de comunicação da Benetton, Fabrica, re-inventa a pólvora.

Conseguem pôr líderes mundiais, políticos e religiosos, de países com comportamentos políticos opostos e relações complicadas, aos beijos numa campanha contra o ódio. Barack Obama, Angela Merkel e o Papa Bento XVI surgem nesta acção que pretende, segundo a organização, promover a tolerância e lutar contra a “cultura do ódio”.

“Embora o amor mundial continue a ser uma utopia, o convite a não odiar para combater a cultura do ódio é um objectivo realista”, justificou Alessandro Benetton, Chairman executivo da marca que quer promover a “aproximação entre pessoas, fés, cultura e o entendimento pacífico das motivações do outro”.

Isso, não sei se consegue, mas com as fotografias, as iniciativas em lugares simbólicos de Tel Aviv, Nova Iorque, Roma, Milão e Paris e o filme do realizador francês Laurent Chanez, só hoje (que eu tenha encontrado) a marca conseguiu ser publicitada em 286 websites de agências, jornais, revistas, rádios e televisões dos EUA, Reino Unido, América Latina, Índia e Portugal à borla.

Pelo menos no Expresso, no Sol, no DN, no Jornal de Negócios, no Público, no i, no CM, no Económico, na Visão, na Sábado, na TSF, na RTP, na Reuters, na Associated Press, em 28 jornais brasileiros, no IndiaTimes, no Huffington Post, na ABCNews, no Bloomberg, na CNN, no Wall Street Journal e no Washington Post. Fora os milhares de blogs (incluindo este…), os jornais regionais, as empresas de marketing e publicidade e as visualizações do vídeo no YouTube.

A Igreja Católica ainda veio dar uma ajuda à campanha e levantou logo a polémica: “O grupo italiano Benetton anunciou nesta quarta-feira a decisão de retirar de circulação uma campanha publicitária mostrando o Papa beijando na boca o imã sunita da universidade de Al-Azhar, no Cairo, Ahmed el Tayeb, dizendo-se ‘desolado com o fato de a utilização da imagem ter chocado tanto a sensibilidade dos fiéis'”, escreve a AFP.

Só na RTP, em apenas 20 minutos, o artigo passou a ser o mais lido do site e o link publicado no Facebook ‘RTP notícias’ foi partilhado, também nos primeiros 20 minutos, 280 vezes. Diria que os jornalistas caíram na armadilha e nem deram por isso. Não é novidade: isto da internet e das redes sociais veio mudar o paradigma da comunicação e as regras do jornalismo vão ter que se ajustar. Como?

in Standard’s & People, Pá!, 16/11/2011

OPINIÃO

ESTILOS

É absolutamente necessário aumentar o salário mínimo

Nós, felizes privilegiados, que achamos que até temos sorte por termos um contrato de 3 meses aos 20 e poucos anos, que ganhar o ordenado mínimo a viver em casa dos pais é um luxo, mas que isto das medidas de austeridade é uma chatice e que o Governo está a prejudicar a nossa amaldiçoada “geração à rasca”, fazemos duas coisas com demasiada facilidade.

Metade de nós tem a triste mania de ter pena dos “pobres coitados” que estão desempregados, que perderam dois ordenados, que com o ordenado mínimo sustentam uma família inteira, que têm duas licenciaturas e trabalham no McDonald’s. Falamos nisto todos os dias, gritamos palavras de ordem sentados no café e escrevemos em blogues que quase ninguém lê.

E a outra metade compra assiduamente o Expresso, lê as notícias do Económico, às 20h00 vê o Telejornal em vez de mudar para a Fox, assiste aos espectáculos transmitidos no canal da Assembleia da República e, em vez de gritar palavras de ordem no café, grita com os que o fazem, garantindo, por A+B, que para todos os efeitos, e segundo não sei quantos relatórios de não sei quantas organizações, “o Governo até tem razão”.

Eu, pessoalmente, identifico-me mais com a classe pseudo-activa e condescendente, mas tenho um amigo (a quem admiro a inteligência) que se enquadra mais no grupo que “vá, não está contra as medidas de austeridade porque tem mesmo que ser”. Mas como tenho a mania que sou democrática (se bem que já nem saiba o que isso quer dizer) decidi fazer um exercício de abstracção, depois de ouvir, por duas bocas diferentes – uma delas a do Secretário de Estado do Emprego, Pedro Martins – que “o ordenado mínimo em Portugal não é realmente baixo”.

Esta declaração deixa-me em polvorosa. Obviamente. Tendo em conta que faço parte do grupo que só encontra erros no ditado do Governo… Mas, sabia que o meu amigo iria sentir uma necessidade incontrolável de justificar a afirmação do Doutor Pedro Martins com gráficos e números. Pedi-lhe esse favor e percebi perfeitamente a lição.

O Secretário de Estado do Emprego explicou que “o salário mínimo em si pode não ser elevado – e com certeza não é elevado”. O homem é esperto. O doutoramento em economia afinal também lhe deu habilidades de retórica. Continua: “Mas, em termos proporcionais, em termos daquilo que se encontra na realidade portuguesa – realidade essa que temos que enfrentar com objectividade para conseguir ultrapassar as limitações que agora nos colocam vários obstáculos -, o salário mínimo, em termos relativos, não é baixo em Portugal.”

Achei logo que isto era aldrabice. Pedi ao meu amigo economista, que se interessa por estes tecnicismos, que me esmiuçasse a questão. Trocou-me a expressão “relativos” por miúdos e disse-me que, por exemplo, o salário mínimo no Luxemburgo pode parecer um absurdo porque é elevadíssimo, no entanto estaríamos a pensar de acordo com o nosso poder de compra em Portugal, logo, se tivermos em conta o custo de vida lá, o ordenado mínimo deixa de ser “absurdo”, para ser “adequado”. E então? Um tipo normal no Luxemburgo, com o ordenado mínimo, vive melhor que um tipo normal a ganhar o ordenado mínimo em Portugal, certo?

“Certo”, diz-me o meu amigo economista. “Mas o que o Secretário de Estado defende é que, comparando com valores internacionais, tendo em conta os salários médios e os níveis de produtividade em Portugal, ou seja, o que representa a nossa competitividade (quanto conseguimos produzir por custo médio de hora de trabalho), o salário mínimo praticado em Portugal é, estatisticamente, superior aos praticados no resto do mundo.” E até me arranjou um gráfico para eu ver como ele tinha razão.

Dados da OCDE relacionam a proporção a que aumentou o custo da mão-de-obra (produtividade) com a proporção a que aumentaram os salários médios para o período de 2000 a 2010.

Depois ainda me explicou o drama do Secretário de Estado: “É que o salário mínimo deve ser subido gradualmente, acompanhando o crescimento económico de um país e o aumento da sua capacidade de produção, coisa que actualmente não está, claramente, a acontecer. E se aumentares o salário mínimo, aumentas o custo de produção porque és obrigado a pagar mais aos trabalhadores, logo, nesta conjuntura, pode sair o tiro pela culatra. Aumentar o salário mínimo faria aumentar o desemprego porque, para pagar mais a uns, os patrões teriam que despedir outros.”

Faz tudo sentido, do ponto de vista estatístico, matemático e da eficiência económica. Mas eu aprendi no livros que a economia tem um lado mais bonito, o da solidariedade. E até o meu amigo economista concorda que “o salário mínimo tem que existir para proporcionar níveis de vida com dignidade às muitas pessoas que se encontram na base da pirâmide social e para proteger os trabalhadores de patrões abusadores.”

A meu ver, os 485 euros já não estão a cumprir esta função.  É que os preços e os impostos têm subido muito mais depressa em Portugal que, por exemplo, na Alemanha, por isso, o poder de compra do português tem diminuído. Muito. E a isto acrescentam-se as “tão necessárias” medidas de austeridade (e olhem que isto também são números e dados estatísticos e essas coisas que os Secretários de Estado gostam).

"Os pobres que paguem a crise", por lutecartunista.com.br

Claro que é muito fácil para mim – que ganho o ordenado mínimo – criticar o que o Doutor Pedro Martins e o meu amigo economista dizem. Pelo menos agora faço-o percebendo os números. Consigo fazer as contas às consequências do que pede a esquerda ao Parlamento. A meu ver, se também é da responsabilidade do Estado assegurar que a dignidade dos cidadãos é mantida, faz tanto sentido potenciar a eficiência quanto faz potenciar a solidariedade, as duas a cargo da economia.

Também é muito fácil, para o Doutor Pedro Martins, falar das estatísticas e debitar dados do alto de um ordenado “mínimo” superior a 5 mil euros. Contudo, efectivamente, com o salário mínimo, em Portugal, não se vive, sobrevive-se. E isto é um facto absoluto. Não é relativo.

in Standard’s & People, Pá!, 15/11/2011

OPINIÃO

Governar na Europa é como regatear na Feira do Relógio

É a sensação que me dá. Tenho lido as notícias sobre a “crise” política e económica (como toda a gente) e a única conclusão que me autorizo a tirar é que governar na Europa é como regatear na Feira do Relógio. Está bem que não é nenhuma novidade que a política assente no neocapitalismo liberal se sustenta em duas máximas principais: negociar com quem tem dinheiro e calar quem tem ideias. Estou conformada com isso e contorno a coisa como posso.

Mas ultimamente parece que entrámos num estado litúrgico, que sobrevive num qualquer limbo teórico que não reconheço nas sebentas da teoria política, em que as regras básicas e fáceis a que nos habituámos não se aplicam. É que, graças à “crise”, que desta vez é a sério e andamos todos a senti-la na pele em vez de só falarmos sobre isso, quem tem ideias não se cala. Ainda bem. Estão a acontecer coisas. Coisas a sério. Greves, manifestações, marchas, ocupações, ameaças de revoluções e outras confusões. Gosto.

Mas também graças à “crise” quem tem dinheiro está mais forreta, mais sovina, mais avarento, mais somítico. E quem não tem está mais sedento, mais ávido, mais sôfrego, mais desesperado. E, talvez por isso, quando leio os títulos dos jornais, lembro-me sempre da minha Avó na Feira do Relógio.

“ Três camisas 20 euros! 20 euros!”, grita uma mulher com voz de homem grande. “Dez e vai com sorte”, responde a minha Avó de 40 quilos com um ar desinteressado, de quem só ali está porque não tem nada melhor para fazer. “Não pode ser minha senhora, tenho que ter dinheiro p’ra dar de comer aos meus filhos”, responde a mulher vestida de preto e de carrapito no alto da cabeça. “Dez ou nada feito”, responde a minha Avó. A coisa dura uns dez minutos e as três camisas vão para casa por 15 euros no máximo. Agora comparem com o que se passou na Grécia a semana passada e com o que se está a passar hoje na Itália.

Espécie em vias de extinção

O primeiro-minsitro grego, Georges Papandreou, não estava para vender o país à Troika e põe um referendo em cima da mesa para negociar com o povo e com quem manda na Europa. Dois coelhos de uma cajadada só. Aquilo assusta a Merkel e o Sarkozy que respondem com ameaças sobre a saída do país da Zona Euro. Papandreou desiste do referendo e, para não deixar mal o povo, apresenta demissão. O processo não leva dez minutos, mas resolve-se em dois dias.

O povo italiano quer pôr o primeiro-minsitro, Silvio Berlusconi, na rua. A oposição também, mas o homem está decidido a ficar. Votam-se as contas do Estado na Câmara dos Deputados e Berlusconi consegue a aprovação mas perde a maioria absoluta porque a oposição esteve presente mas não votou. Após a votação, Berlusconi diz ao Presidente Giorgio Napolitano que se demitirá quando forem aprovadas as medidas de austeridade propostas pela UE. É como quem diz: “Querem-me na rua? Votem a favor.”

Não me digam que isto não é, tal e qual, como regatear camisas na Feira do Relógio. Como disse numa qualquer entrevista o realizador Woody Allen, “eu acredito que há qualquer coisa a olhar por nós. Infelizmente, é o governo.” E parece que o nosso não tem jeito para o negócio.

in Standard’s & People, Pá!, 08/11/11

OPINIÃO