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Jantar de líderes europeus com Grécia e ideias de Hollande na ementa

Esta quarta-feira, em Bruxelas, os chefes de Estado e de governo dos 27 países da União Europeia vão iniciar a discussão de soluções para impedir a Europa de entrar em auto-destruição, entre eleições, medidas de austeridade e incentivos ao emprego e ao crescimento económico.

A questão que imperará no jantar marcado para as 19h45 (18h45 em Lisboa) será, a par das consequências económicas da atual situação política na Grécia, como se produz crescimento económico na Europa, com a Alemanha a defender que esse crescimento será produto de duras reformas e medidas de austeridade e outros a dizer que tais exigências demorarão demasiado tempo a produzir resultados e que é preciso tomar decisões de incentivo imediatas, tais como aprovar aumentos salariais e a extensão do prazo para atingir os objetivos para o défice.

Fonte diplomática adiantou à Antena1, em Bruxelas, que deste jantar deverá resultar um acordo sobre o aumento do capital do Banco Europeu de Investimentos em dez mil milhões de euros e um plano de obrigações para projetos específicos. Assim, tal como fica previsto pela carta-convite endereçada na segunda-feira aos 27 chefes de Estado e de governo, a cimeira não servirá para tomar ações, mas para “preparar politicamente” o caminho para as decisões sobre o crescimento a serem tomadas na próximo Conselho Europeu oficial, que terá lugar entre os dias 27 e 29 de junho em Bruxelas.

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Convite para jantar

O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, convocou esta reunião informal de chefes de Estado e de governo após a
eleição de François Hollande em França, a 6 de maio. Durante a
campanha eleitoral, Hollande rejeitou as medidas de austeridade
rigorosas que têm sido impostas na Zona Euro, sublinhando que adotaria
medidas de crescimento económico.

Esta terça-feira a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE) advertiu que os 17 Estados-membros da Zona Euro “estão
em grande risco de cair numa grave recessão”, pedindo aos governos e
bancos centrais da Europa para agirem rapidamente, de forma a impedir
que a desaceleração da economia europeia arraste consigo a economia
global. A OCDE sugeriu, nomeadamente, novas medidas de austeridade para Portugal.

Ao mesmo tempo, a turbulência eleitoral na Grécia ameaça separar o país do bloco da moeda única. O desemprego na UE continua a aumentar e quase metade dos países da Zona Euro apresentam sinais de recessão económica.

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Portugal será representado pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que, na segunda-feira, à margem da cimeira da Nato em Chicago, disse esperar que a reunião de quarta-feira resulte num “guião mais sólido” em torno da estratégia de crescimento a ser seguida pela União Europeia.

Se até recentemente os líderes da UE eram unânimes quanto à necessidade de adotar medidas de austeridade, numa lógica provocada pelos crescentes custos associados aos empréstimos e ao mercado de obrigações e por uma falta de confiança dos investidores que justificava a importância de baixar rapidamente a necessidade de empréstimos dos governos europeus, agora enfrentam uma crise social que, sugerem cada vez mais vozes, exige medidas de aumento do investimento público, ao invés da diminuição das despesas do Estado.

Para os povos europeus, a austeridade significou desemprego, cortes, o fim de programas de ajuda social e impostos mais altos. Para os Estados refletiu-se numa desacelaração da produção e num aumento do peso da dívida. O resultado, tal como previram vários economistas, incluindo os Nobel da Economia Joseph Stiglitz e Paul Krugman, foi uma crise social e política.

Agora, economistas e políticos discutem formas de incentivar a criação de emprego e o crescimento económico das economias mais frágeis da UE.

Rompuy pede “inovação” e “controvérsia”

O problema que se coloca é descobrir de onde virá o dinheiro para impulsionar o crescimento europeu. O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, incentivou os participantes da cimeira informal de hoje a apresentarem a discussão “ideias inovadoras, ou até mesmo controversas”, acrescentando que “nada deve ser um tabu” e que são necessárias “soluções de longo prazo”.

Os líderes pretenderão equilibrar a promoção do crescimento económico com o equilíbrio orçamental da Europa, tal como recomendaram os representantes dos países mais industrializados do mundo na reunião G8 deste fim-de-semana, numa discussão que colocou a UE no centro dos problemas da economia global.

Segundo explica a Associated Press, uma das soluções será utilizar recursos que já estão ao dispor da UE – os “fundos estruturais” -, mas que não estão a ser utilizados apesar do desespero de alguns países. Mas a emissão de títulos de dívidas europeu é vista, por muitos políticos e economistas, como um passo para a fórmula eurobonds.

Outra hipótese será aumentar o capital do Banco Europeu de Investimentos, para que possa, por sua vez, emprestar mais dinheiro às pequenas e médias empresas da Zona Euro.

A consultora e analista de economia internacional Eurasia Group garantiu, num comunicado emitido esta terça-feira, que o Banco Central Europeu, “no futuro imediato, continuará a ser a única instituição com os recursos, velocidade de ação e instrumentos políticos necessários para fortalecer aconfiança na zona da moeda única”.

Hollande leva eurobonds a discussão

A chegada ao Conselho Europeu de François Hollande desequilibra a relação franco-alemã a que o organismo estava habituado. O recém-eleito Presidente francês vai reunir-se com o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, em Paris, antes da cimeira europeia para discutir posições políticas. Em quase todas as cimeiras anteriores, nos últimos dois anos, o antecessor de Hollande, Nicolas Sarkozy, reuniu-se com a chanceler alemã, Angela Merkel, antes de apresentar estratégias aos restantes líderes europeus.

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O que são eurobonds?

Eurobonds (ou obrigações europeias de estabilidade) são títulos de dívida pública que representam todos os países da Zona Euro e cujo juro associado é uma média ponderada de cada país (o que implica a soma do nível de dívida e défices conjuntos e a respetiva divisão por todos os Estados-membros).

Os governos pedem dinheiro emprestado vendendo títulos a investidores e, em troca, prometem pagar a uma taxa fixa, em determinado prazo (por exemplo, 3 por cento por ano, durante dez anos). No fim do prazo o investidor é reembolsado do dinheiro que pagou originalmente e aquela parte da dívida pública fica cancelada. No caso das eurobonds o pagamento é garantido pelos 17 Estados-membros da Zona Euro em conjunto.

Estes títulos são tradicionalmente vistos como investimentos de longo prazo ultra-seguros e são realizados por fundos de pensão, seguradoras e bancos, bem como investidores privados.

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Hollande garantiu, em campanha, que não assinará o “pacto fiscal” proposto no último Conselho Europeu pela chanceler alemã, que obriga os países membros da Zona Euro a cumprir rigorosas metas fiscais e de défice. Como medida de incentivo ao crescimento económico, sugere a emissão de obrigações europeias.

As eurobonds, que poderiam proteger os países economicamente mais fracos, como Portugal, Espanha e Itália e Irlanda, baixando as taxas de juros que agora enfrentam no mercados de títulos (e que forçaram a Grécia, Irlanda e Portugal a pedir ajuda externa), aumentam as taxas dos países mais fortes, como a Alemanha, que continua com uma posição pouco favorável esta solução.

Ainda assim, as discussões diplomáticas mostram o início de um consenso no que toca a emitir títulos de dívida europeus, com Hollande a vencer as eleições em França depois de uma campanha que apostou fortemente nesta ideia, sendo que até a Alemanha já suavizou a sua posição, com Angela Merkel a ficar isolada na oposição a esta medida.

O comissário europeu da Energia, o alemão Günther Oettinger, aconselhou o Executivo de Merkel a não recusar radicalmente a emissão de títulos de dívida europeus. “Aconselho todos os implicados que não adotem uma posição radical e definitiva contra os títulos de dívida europeus”, disse o comissário, correligionário de Merkel na União Democrata Cristã, citado pelo diário económico “Handelsblatt”. No qual defendeu, em entrevista, que a emissão conjunta de dívida “será uma questão de tempo”.

O Parlamento Europeu apoiou uma proposta de emissão de títulos de dívida na terça-feira, com Olli Rehn, vice-presidente da Comissão Europeia, a explicar que “o principal objetivo é atrair financiamento da dívida do mercado de capitais” e a estimar que estes títulos podem levar ao desbloqueio de 4,6 mil milhões de euros para investimento em “infraestruturas e inovação.”

in RTP

“Vivemos como os javalis”

Ouvi esta manhã uma reportagem do jornalista Afonso de Sousa sobre a possibilidade do encerramento do Tribunal de Vinhais, conselho do distrito de Bragança, lá bem no Norte do país.

O que me despertou o interesse não foram as declarações do presidente da autarquia, Américo Pereira, a garantir que o fecho do tribunal local poderá levar a população a querer fazer justiça pelas próprias mãos.

Nem a caracterização do acontecimento como «convite à violência e à impunidade», nem a tão pertinente acusação de «desresponsabilização completa do Estado relativamente às suas obrigações» numa altura de «grande crise económica e dificuldades, onde o crime está a aumentar e estão a aparecer novas tipologias de crime, nomeadamente furtos em zonas rurais».

Foi a voz do Sr. Manuel Assunção, habitante da vila:

“Já nos tiraram o Centro de Saúde, já nos tiraram a EDP, agora querem tirar-nos o tribunal. O melhor é que fechem logo tudo!  Ponham umas cancelas numa entrada e na outra e ficamos isolados, vivemos como os javalis.”

É que, para variar, fala-se em números, financiamento, buracos no orçamento, défice, ruptura financeira.

Sabemos que em 2010 havia 145 autarquias em desequilíbrio financeiro estrutural ou conjuntural e 38 estavam em ruptura financeira. O sector empresarial local apresentava, no final de 2011, 2,4 mil milhões de défice. O Orçamento de Estado de 2012 apresenta um corte de 5% nas transferências das verbas do poder central para as autarquias nacionais. E sabemos que o Governo apresentou o Livro Branco do Sector Empresarial Local para reformar o poder local, o que, segundo a ANAFRE, significará que das 4.262 freguesias existentes, 2.458 não cumprirão os requisitos exigidos na Reforma e estarão condenadas à extinção. Miguel Relvas estimou em 675 milhões o esforço de contenção exigido aos autarcas.

Só que mesmo para quem não percebe nada de indicadores económicos, políticas de contenção e balanças de pagamentos, há uma consequência muito óbvia, e arrisco dizer, perigosa, que é tangível para qualquer pessoa que não esteja habituada aos “luxos” de viver numa grande cidade. Esta Reforma, que poderá (talvez, não sabemos bem, mas esperemos que sim) solucionar o problema dos números, deixa as populações com um acesso cada vez mais difícil aos serviços públicos.

O conselho de Vinhais fica a mais de 35 quilómetros de Bragança e tem a seu cargo 35 freguesias, com cerca de 10.650 habitantes espalhados por mais de 690 km2. Se experimentar pedir direcções ao Google Maps de qualquer ponto da autarquia para a cidade de Bragança, verá que só há uma hipótese: conduzir. Também pode tentar ir a pé, bicicleta ou trotineta. Autocarros e comboios não há. E no site da Câmara Municipal a sugestão disponível é uma lista de contactos telefónicos de taxistas locais.

O que se passa em Vinhais passa-se na maioria do território do interior português, cujo drama da desertificação, necessidade de revitalização e reorganização, e a milagrosa chave do desenvolvimento do turismo, têm sido alvo de debate e, supostamente, investimento, nos últimos 10 anos. Agora a torneira fechou. A seu tempo, o senhor Manuel vai viver isolado, sem Escolas, nem Centro de Saúde, nem Tribunal, nem posto dos Correios, nem Bombeiros Municipais, nem Centro Recreativo da Junta de Freguesia. Entre duas cancelas feitas de dívidas e burocracia. Enclausurado como javalis num curral.

Flickr.com/~MVI~

in Standard’s & People, Pá!, 15/11/2011

OPINIÃO

Euro valorizou-se 50 por cento em relação ao dólar em 10 anos

A cotação da moeda única europeia subiu 50 por cento face ao dólar na última década, período durante o qual o valor do euro foi quase sempre superior ao da divisa norte-americana. A 2 de janeiro de 2002 um euro valia 1,1 dólares; no ínicio deste mês um euro valia 1,35 dólares.

Por Pedro Pina

A 2 de janeiro de 2002, quando as notas e moedas do euro entraram em circulação, um euro valia 1,1 dólares, segundo o Banco Central Europeu. Desde 15 de julho de 2002 que o euro começou a valer mais que o dólar e, a 15 de julho de 2008 chegou a valer 1,59 dólares, o máximo que alguma vez atingiu em relação à moeda norte-americana, numa altura em que a crise do “subprime” se tornava mais evidente nos Estados Unidos da América (EUA).

No início deste mês, um euro valia 1,35 dólares – o equivalente a uma subida de 50 por cento. Hoje, vale 1,3 dólares. A 26 de outubro de 2000, o euro atingiu o seu mínimo histórico face à divisa dos EUA: 82 cêntimos. Durante o resto da década, a cotação da moeda única europeia foi ganhando terreno face ao dólar.

Por RTP

A meio da primeira década do século XXI, chegou a haver preocupações entre os governantes europeus quanto aos malefícios de um euro forte. Com o dólar em queda face ao euro, as importações denominadas em dólares, das quais faz parte, por exemplo, o petróleo, tornavam-se mais baratas para a União Europeia, mas as exportações da zona euro para o resto do mundo tornavam-se mais caras.

“Nós não somos a Grécia. Não somos Portugal.”

Nos últimos dois anos, contudo, o euro voltou a descer. Em meados de 2010, a cotação estava nos 1,19 dólares, o valor mínimo desde 2006, perante receios quanto à situação financeira da Grécia, de Portugal, da Itália e de outros países do euro.

Com os EUA a enfrentarem os seus próprios problemas económicos, o euro voltou a subir no dia em que Portugal formalizou o seu pedido de ajuda à ‘troika’, a 16 de maio deste ano. O euro valia 1,41 dólares.

Ainda assim, a 15 de julho, num discurso sobre a crise económica internacional, o Presidente Barack Obama disse que seriam necessários apenas “pequenos ajustes” nos EUA para reformular a sua economia endividada, insistindo que o país não estava no mesmo estado que “a Grécia ou Portugal”.

A moeda única europeia representava, no final do ano passado, 26 por cento das reservas conhecidas dos bancos centrais globais, sete pontos percentuais acima do peso que tinha quando entraram em circulação as notas e moedas do euro. No entanto, o euro continua longe do dólar, que representa 61,8 por cento das reservas conhecidas.

Medir ao certo qual é o peso do euro enquanto moeda de reserva é difícil, porque a composição de quase metade das reservas mundiais não é conhecida. É preciso ainda considerar as reservas de composição desconhecida têm vindo a crescer a um ritmo muito mais forte que as conhecidas. Em 2001, as reservas desconhecidas representavam menos de 23,5 por cento do total; em 2010, já eram quase 45 por cento, segundo os dados da COFER citados pela Lusa. As reservas cuja composição não é divulgada pertencem sobretudo a países do Médio Oriente (particularmente os exportadores de petróleo) e da Ásia (sobretudo a China).

“O euro é um ativo de reserva importante, o segundo mais importante a seguir ao dólar. Esse papel não deverá alterar-se nos próximos anos a menos que a zona euro se desmembre”, disse à agência Lusa Marc Chandler, chefe de estratégia cambial do banco de investimentos nova-iorquino Brown Brothers Harriman.

Marc Chandler acrescenta contudo que o peso do euro corresponde “basicamente à soma das suas partes”, nomeadamente o marco alemão e o franco francês.

Euro faz 10 anos no Ano Novo

É utilizado por 332 milhões de pessoas de 17 países (Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, França, Eslovénia, Eslováquia, Espanha, Estónia Finlândia, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Malta e Portugal) e entrou em circulação há 10 anos, a 1 de janeiro de 2002, sendo considerada a segunda moeda mais importante no mundo, depois do dólar.

“Há dez anos, no dia 1 de janeiro de 2002, as notas e moedas de euro foram introduzidas em 12 Estados-membros da União Europeia”, lembra o presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mário Draghi no site da instituição. “A introdução do novo numerário constituiu um desafio sem precedentes, mas decorreu com êxito. Em poucos dias, encontravam-se em circulação milhares de milhões de notas e moedas de euro”, considerou, acrescentando que “o euro tornou-se um símbolo da Europa e as notas e moedas de euro passaram a fazer parte do nosso quotidiano”.

Para assinalar o décimo aniversário da moeda única, o BCE vai lançar um concurso chamado ‘Eurocorrida’, dedicado às crianças da “geração euro”, ou seja, com idade entre os 9 e os 12 anos e residentes na União Europeia. Além disso, o BCE pretende abrir portas ao público a 29 de abril do próximo ano, para apresentar a história da moeda única europeia e a sua produção.

Mais sobre o Euro

As notas de euro foram desenhadas pelo designer austríaco Robert Kalina, vencedor do concurso lançado pelo Instituto Monetário Europeu em fevereiro de 1996. A decisão foi tomada por um júri de especialistas em marketing, design, e história da arte e contou ainda com os resultados de uma sondagem de opinião ao público europeu.

Verifique o número de série da nota; a letra antes do número identifica o país onde ela foi produzida. Se a letra for “M”, a nota foi fabricada em Portugal.

A 1 de janeiro de 2002, estavam impressas 14,9 mil milhões de notas, o suficiente para cobrir uma área equivalente a 15 mil campos de futebol.

Na mesma altura foram cunhadas cerca de 52 mil milhões de moedas, para o que foi preciso utilizar 250 mil toneladas de metal.

Segundo o BCE, no final de novembro de 2011 havia 868 mil milhões de euros em notas de euro em circulação. A nota mais numerosa é a de 50 euros.

in RTP

SABERES

É absolutamente necessário aumentar o salário mínimo

Nós, felizes privilegiados, que achamos que até temos sorte por termos um contrato de 3 meses aos 20 e poucos anos, que ganhar o ordenado mínimo a viver em casa dos pais é um luxo, mas que isto das medidas de austeridade é uma chatice e que o Governo está a prejudicar a nossa amaldiçoada “geração à rasca”, fazemos duas coisas com demasiada facilidade.

Metade de nós tem a triste mania de ter pena dos “pobres coitados” que estão desempregados, que perderam dois ordenados, que com o ordenado mínimo sustentam uma família inteira, que têm duas licenciaturas e trabalham no McDonald’s. Falamos nisto todos os dias, gritamos palavras de ordem sentados no café e escrevemos em blogues que quase ninguém lê.

E a outra metade compra assiduamente o Expresso, lê as notícias do Económico, às 20h00 vê o Telejornal em vez de mudar para a Fox, assiste aos espectáculos transmitidos no canal da Assembleia da República e, em vez de gritar palavras de ordem no café, grita com os que o fazem, garantindo, por A+B, que para todos os efeitos, e segundo não sei quantos relatórios de não sei quantas organizações, “o Governo até tem razão”.

Eu, pessoalmente, identifico-me mais com a classe pseudo-activa e condescendente, mas tenho um amigo (a quem admiro a inteligência) que se enquadra mais no grupo que “vá, não está contra as medidas de austeridade porque tem mesmo que ser”. Mas como tenho a mania que sou democrática (se bem que já nem saiba o que isso quer dizer) decidi fazer um exercício de abstracção, depois de ouvir, por duas bocas diferentes – uma delas a do Secretário de Estado do Emprego, Pedro Martins – que “o ordenado mínimo em Portugal não é realmente baixo”.

Esta declaração deixa-me em polvorosa. Obviamente. Tendo em conta que faço parte do grupo que só encontra erros no ditado do Governo… Mas, sabia que o meu amigo iria sentir uma necessidade incontrolável de justificar a afirmação do Doutor Pedro Martins com gráficos e números. Pedi-lhe esse favor e percebi perfeitamente a lição.

O Secretário de Estado do Emprego explicou que “o salário mínimo em si pode não ser elevado – e com certeza não é elevado”. O homem é esperto. O doutoramento em economia afinal também lhe deu habilidades de retórica. Continua: “Mas, em termos proporcionais, em termos daquilo que se encontra na realidade portuguesa – realidade essa que temos que enfrentar com objectividade para conseguir ultrapassar as limitações que agora nos colocam vários obstáculos -, o salário mínimo, em termos relativos, não é baixo em Portugal.”

Achei logo que isto era aldrabice. Pedi ao meu amigo economista, que se interessa por estes tecnicismos, que me esmiuçasse a questão. Trocou-me a expressão “relativos” por miúdos e disse-me que, por exemplo, o salário mínimo no Luxemburgo pode parecer um absurdo porque é elevadíssimo, no entanto estaríamos a pensar de acordo com o nosso poder de compra em Portugal, logo, se tivermos em conta o custo de vida lá, o ordenado mínimo deixa de ser “absurdo”, para ser “adequado”. E então? Um tipo normal no Luxemburgo, com o ordenado mínimo, vive melhor que um tipo normal a ganhar o ordenado mínimo em Portugal, certo?

“Certo”, diz-me o meu amigo economista. “Mas o que o Secretário de Estado defende é que, comparando com valores internacionais, tendo em conta os salários médios e os níveis de produtividade em Portugal, ou seja, o que representa a nossa competitividade (quanto conseguimos produzir por custo médio de hora de trabalho), o salário mínimo praticado em Portugal é, estatisticamente, superior aos praticados no resto do mundo.” E até me arranjou um gráfico para eu ver como ele tinha razão.

Dados da OCDE relacionam a proporção a que aumentou o custo da mão-de-obra (produtividade) com a proporção a que aumentaram os salários médios para o período de 2000 a 2010.

Depois ainda me explicou o drama do Secretário de Estado: “É que o salário mínimo deve ser subido gradualmente, acompanhando o crescimento económico de um país e o aumento da sua capacidade de produção, coisa que actualmente não está, claramente, a acontecer. E se aumentares o salário mínimo, aumentas o custo de produção porque és obrigado a pagar mais aos trabalhadores, logo, nesta conjuntura, pode sair o tiro pela culatra. Aumentar o salário mínimo faria aumentar o desemprego porque, para pagar mais a uns, os patrões teriam que despedir outros.”

Faz tudo sentido, do ponto de vista estatístico, matemático e da eficiência económica. Mas eu aprendi no livros que a economia tem um lado mais bonito, o da solidariedade. E até o meu amigo economista concorda que “o salário mínimo tem que existir para proporcionar níveis de vida com dignidade às muitas pessoas que se encontram na base da pirâmide social e para proteger os trabalhadores de patrões abusadores.”

A meu ver, os 485 euros já não estão a cumprir esta função.  É que os preços e os impostos têm subido muito mais depressa em Portugal que, por exemplo, na Alemanha, por isso, o poder de compra do português tem diminuído. Muito. E a isto acrescentam-se as “tão necessárias” medidas de austeridade (e olhem que isto também são números e dados estatísticos e essas coisas que os Secretários de Estado gostam).

"Os pobres que paguem a crise", por lutecartunista.com.br

Claro que é muito fácil para mim – que ganho o ordenado mínimo – criticar o que o Doutor Pedro Martins e o meu amigo economista dizem. Pelo menos agora faço-o percebendo os números. Consigo fazer as contas às consequências do que pede a esquerda ao Parlamento. A meu ver, se também é da responsabilidade do Estado assegurar que a dignidade dos cidadãos é mantida, faz tanto sentido potenciar a eficiência quanto faz potenciar a solidariedade, as duas a cargo da economia.

Também é muito fácil, para o Doutor Pedro Martins, falar das estatísticas e debitar dados do alto de um ordenado “mínimo” superior a 5 mil euros. Contudo, efectivamente, com o salário mínimo, em Portugal, não se vive, sobrevive-se. E isto é um facto absoluto. Não é relativo.

in Standard’s & People, Pá!, 15/11/2011

OPINIÃO

Governar na Europa é como regatear na Feira do Relógio

É a sensação que me dá. Tenho lido as notícias sobre a “crise” política e económica (como toda a gente) e a única conclusão que me autorizo a tirar é que governar na Europa é como regatear na Feira do Relógio. Está bem que não é nenhuma novidade que a política assente no neocapitalismo liberal se sustenta em duas máximas principais: negociar com quem tem dinheiro e calar quem tem ideias. Estou conformada com isso e contorno a coisa como posso.

Mas ultimamente parece que entrámos num estado litúrgico, que sobrevive num qualquer limbo teórico que não reconheço nas sebentas da teoria política, em que as regras básicas e fáceis a que nos habituámos não se aplicam. É que, graças à “crise”, que desta vez é a sério e andamos todos a senti-la na pele em vez de só falarmos sobre isso, quem tem ideias não se cala. Ainda bem. Estão a acontecer coisas. Coisas a sério. Greves, manifestações, marchas, ocupações, ameaças de revoluções e outras confusões. Gosto.

Mas também graças à “crise” quem tem dinheiro está mais forreta, mais sovina, mais avarento, mais somítico. E quem não tem está mais sedento, mais ávido, mais sôfrego, mais desesperado. E, talvez por isso, quando leio os títulos dos jornais, lembro-me sempre da minha Avó na Feira do Relógio.

“ Três camisas 20 euros! 20 euros!”, grita uma mulher com voz de homem grande. “Dez e vai com sorte”, responde a minha Avó de 40 quilos com um ar desinteressado, de quem só ali está porque não tem nada melhor para fazer. “Não pode ser minha senhora, tenho que ter dinheiro p’ra dar de comer aos meus filhos”, responde a mulher vestida de preto e de carrapito no alto da cabeça. “Dez ou nada feito”, responde a minha Avó. A coisa dura uns dez minutos e as três camisas vão para casa por 15 euros no máximo. Agora comparem com o que se passou na Grécia a semana passada e com o que se está a passar hoje na Itália.

Espécie em vias de extinção

O primeiro-minsitro grego, Georges Papandreou, não estava para vender o país à Troika e põe um referendo em cima da mesa para negociar com o povo e com quem manda na Europa. Dois coelhos de uma cajadada só. Aquilo assusta a Merkel e o Sarkozy que respondem com ameaças sobre a saída do país da Zona Euro. Papandreou desiste do referendo e, para não deixar mal o povo, apresenta demissão. O processo não leva dez minutos, mas resolve-se em dois dias.

O povo italiano quer pôr o primeiro-minsitro, Silvio Berlusconi, na rua. A oposição também, mas o homem está decidido a ficar. Votam-se as contas do Estado na Câmara dos Deputados e Berlusconi consegue a aprovação mas perde a maioria absoluta porque a oposição esteve presente mas não votou. Após a votação, Berlusconi diz ao Presidente Giorgio Napolitano que se demitirá quando forem aprovadas as medidas de austeridade propostas pela UE. É como quem diz: “Querem-me na rua? Votem a favor.”

Não me digam que isto não é, tal e qual, como regatear camisas na Feira do Relógio. Como disse numa qualquer entrevista o realizador Woody Allen, “eu acredito que há qualquer coisa a olhar por nós. Infelizmente, é o governo.” E parece que o nosso não tem jeito para o negócio.

in Standard’s & People, Pá!, 08/11/11

OPINIÃO