As reportagens emitidas no oriente da Rússia não chegam a passar no ocidente quando são consideradas “inapropriadas” pelo poder político, relata a Associated Press. Os internautas têm conseguido, nas últimas semanas, contrariar esta censura, que antecede as eleições parlamentares de domingo e as presidenciais de março.
Numa recente noite de domingo, segundo reporta a Associated Press, os telespectadores das regiões do este da Rússia assistiram ao relato de um jovem checheno com o nariz tapado por uma compressa sangrenta sobre os detalhes da tortura que sofreu pela polícia especial chechena. Mas os espectadores do oeste da Rússia nunca chegaram a ouvir esta história, pois sete ou oito horas mais tarde, quando ligaram as televisões para ouvir o noticiário, essa reportagem tinha sido substituída por 10 minutos de publicidade.
Segundo reporta a Associated Press, a censura por diferentes fusos horários tornou-se uma prática estabelecida nas redes nacionais de televisão da Rússia que, sob o líder Vladimir Putin, foram colocadas sob o controlo do Kremlin. Programas controversos ou sensíveis são mostrados na íntegra ao público no Extremo Oriente, na Sibéria e nos Urais, mas muitas vezes são editados – ou mesmo cancelados – antes que cheguem aos espectadores das regiões ocidentais da Rússia, onde vive 70 por cento da população daquele país.
Os jornalistas que fizeram a reportagem sabiam o que estavam a arriscar, tendo avisado as suas fontes que a peça jamais chegaria ao oeste do país e que podia nem ser posta no ar, segundo relata a AP. A solução tem passado pela internet. Os autores desta reportagem em particular, assim que se aperceberam que tinha sido retirada do alinhamento, colocaram-na no YouTube onde foi vista por mais de 500 mil russos.
Censura aumenta visualizações das reportagens proibidas
“Presumo que, depois disto, mais pessoas tenham assistido à reportagem do que se tivesse ido para o ar normalmente” disse Tatyana Lokshina, investigadora da Human Rights Watch, à AP. Lokshina explica que a importância dada pelos jornais russos e alguns internacionais à reportagem faz com que seja pouco provável que o incidente tenha passado despercebido pelo Kremlin.
“Os censores do Kremlin estão a tornar-se mais e mais conscientes do potencial de escândalo que vem dos media online, das redes sociais e dos blogs, e como se pode transformar uma decisão drástica, de matar uma história sensível, em consequências políticas sérias”, acrescentou. Desde o início de novembro, pelo menos três fóruns na Internet russa foram fechados ou suspensos e o LiveJournal, um site de blogs que hospeda boa parte do debate político na Rússia, tem sido alvo de repetidos ataques com enxurradas de mensagens de lixo electrónico.
Bloggers da zona oriental publicam os programas gravados na internet e partilham-nos nas redes sociais, provocando grandes discussões dominadas pelo crescente número de internautas descontentes com o governo de Putin.
A percentagem de russos com acesso à internet continua muito baixa em relação à média europeia, mas tem vindo a crescer exponencialmente e a informação trocada online tem ganho espaço na opinião pública. Segundo um estudo nacional recente, citado pelo Moscow Times, 51 milhões de russos têm acesso à internet e um quarto dos inquiridos afirmaram ser o meio favorito e mais comum para aceder às notícias.
Ainda assim interessa saber que 80 por cento dos russos ainda depende da televisão como principal fonte de notícias, o que explica a relutância do Kremlin em facilitar a emissão de determinadas peças informativas.
Kremlin teme perda de maioria de dois terços no parlamento
Uma série de incidentes ocorridos esta semana levou os observadores políticos a acreditar que o Kremlin temerá pela popularidade dos líderes do país, que se manifesta em resultados cada vez mais baixos nas sondagens para o partido Rússia Unida. Isto pode refletir-se na perda de uma maioria de dois terços no parlamento para uma mera maioria simples.
Os Repórteres Sem Fronteiras publicaram, esta quinta-feira, uma lista de recentes violações da liberdade de informação na Rússia. O grupo “condena firmemente a avalanche de medidas de censura arbitrária que as autoridades federais e locais da Rússia têm vindo a adoptar antes das eleições parlamentares de 4 de dezembro e as eleições presidenciais marcadas para 04 de março”, lê-se no site oficial da organização. Os Repórteres Sem Fronteiras acusam ainda o governo daquele país de utilizar métodos que “reforçam o poder de Vladimir Putin” e que promovem a “aclamação unânime” da sua decisão de se recandidatar à presidência da Rússia.
O exemplo mais notável, dos casos de censura denunciados pelo grupo, é a repressão da Golos, o único observador independente das eleições do país, que se tornou o alvo de uma campanha orquestrada por parte das autoridades e de certos meios de comunicação social esta semana, que antecede as eleições parlamentares de domingo, 4 de dezembro. Esta noite, sexta-feira, o canal de televisão Gazprom, emitirá uma peça de 30 minutos de investigação sobre a Golos, questionando a objetividade da organização por ser, alegadamente, financiada por subvenções dos EUA.
Na quarta-feira, um editor da Gazeta.ru demitiu-se depois de os donos do jornal online líder do país terem retirado um link publicado na sua página, que apontava para um mapa interativo com todas as violações às eleições construído com dados da Golos. O editor, Roman Badanin, queixou-se que os proprietários teriam removido o link e afirmado estarem descontentes com a cobertura da eleição por ele supervisionada. Os Repórteres Sem Fronteiras citam ainda dois casos de outros dois jornalistas que se demitiram em protesto contra a censura.
Sejam ou não verdadeiros, estes casos e outros levaram o Rússia Unida a admitir abertamente que estão a perder a posição a que foram habituados na opinião pública. Sergei Markov, um dos políticos do grupo, disse mesmo que “o Kremlin está está a perder o controlo sobre os media”, cita o Moscow Times.
“Os media de qualidade do país desertaram para a oposição”, disse, argumentando que as opiniões da oposição dominam a maior parte das estações de rádio e jornais da capital. “Komsomolskaya Pravda e Izvestia são os únicos que mantêm um equilíbrio”, acrescentou ainda.
in RTP